terça-feira, 23 de outubro de 2007

Plano de acção da Comissão Executiva para o Conselho da Cidade

PLANO DE ACÇÃO DA COMISSÃO EXECUTIVA

A Comissão Executiva consciente do trabalho a fazer, aborda a situação em termos de objectivos imediatos e objectivos a médio - longo prazo, estando contudo ambos interligados. Quanto aos objectivos imediatos da Comissão Executiva são principal e fundamentalmente escutar e alertar o cidadão para fazer valer a sua voz de forma organizada e construtiva. No contexto actual, em que por vezes os imperativos cívicos ficam diluídos numa urgência confusa que pretende colmatar as falhas dos nossos dirigentes a todos os níveis, parece-nos importante reorientar e centrar o discurso em torno da cidadania e da participação para favorecer o sentido crítico construtivo, a consciência e a emancipação cívica. A Comissão Executiva achou por bem elaborar um manifesto, que pretende ser uma declaração de intenções, e um plano de acção, ou uma proposta, que define de forma mais pormenorizada as grandes orientações desta Comissão, ambos serão devidamente apresentados e debatidos junto dos órgãos sociais representativos do Conselho da Cidade, para ser de seguida divulgados junto dos associados e cidadãos.

PLANO DE ACÇÃO

1-Estratégias e acções necessárias

A- Estratégias Urgentes.

1- Dar a conhecer o CC junto dos cidadãos.

Parece-nos muito importante dar a conhecer e divulgar o Conselho da Cidade junto dos cidadãos, para esse efeito teremos de chegar aos cidadãos de todas as formas possíveis, tendo em mente que isto é um trabalho por vezes ingrato que só terá seus frutos a longo prazo.

a- Bancas aos Sábados para divulgação. Bancas constituídas por pequenos grupos de cidadãos, 2 ou 3 pessoas que rotativamente estarão presentes perto da Praça da Fruta para informar e divulgar o Conselho da Cidade.

b- Distribuições mensais do desdobrável, ou outro(s) panfleto(s) na cidade e nas freguesias.

c- Deixar panfletos/desdobráveis nas Associações/Juntas de Freguesias/Locais mais frequentados.

d- Actuar/lançar o debate nas acções que serão integradas/feitas pelos grupos de trabalho.

2- Discutir a cidadania: tecendo laços seremos mais fortes

a- Organizar discussões públicas, sobre temas relativos à cidadania predefinidos, cuja periodicidade fica por estabelecer/discutir. (ANEXO I)[i]

b- Procurar juntar-se a outros CC. Consolidar os laços estabelecidos com o Conselho da Cidade de Coimbra através de acções conjuntas e favorecer a criação de mais CC.

c- Procurar juntar-se e /ou desenvolver projectos com Associações envolvidas no processo de educação e formação.

d- Alargar a discussão a outras freguesias/concelhos/distritos. Promovendo reuniões/acções noutros locais.

3- Elaborar um boletim para divulgação.

a- Discutir viabilidade/condições da existência de um boletim. Para este efeito agendar reuniões com o Conselho fiscal e Associados/cidadãos dispostos a colaborar.

b- Delinear, conforme as orientações da CE/ manifesto os temas importantes a apresentar/comentar/informar no boletim.

c- Discutir periodicidade.

d- Constituir grupo de trabalho/receptáculo das informações recolhidas para o boletim e colaboradores.

4- O blogue do Conselho da Cidade e a coluna na imprensa local

a- Constituir um grupo de trabalho para alimentar o blogue/coluna em artigos de fundo.

b- Constituir um grupo para alimentar o blogue/coluna em informação útil ao cidadão.

c- Constituir um grupo para a manutenção dos posts/comentários.

5- Acções Necessárias

1. Actualizar e regularizar as quotas

2. Actualizar dados dos associados: cartão de sócios e criar uma base de dados

3. Realizar fundos

a. Vendas.

b. Exposições/vendas

c. Angariar sócios.

d. Procurar patrocínios/Parcerias.

e. Procurar outros apoios.

4. Controlar despesas e dinamizar receitas

a. Relatório de actividades dos grupos de trabalho.

b. Orçamentos a estabelecer para cada actividade/acção.

B- Estratégia para os grupos de trabalho

1- Criar/reformular os grupos de forma a ir ao encontro do Manifesto da Comissão Executiva de acordo com princípios orientadores do Conselho da Cidade.

A Comissão Executiva seguindo as linhas traçadas no Manifesto deseja enquadrar cada acção/actividade dos grupos de trabalho de forma a promover a discussão de assuntos que necessariamente terão de remeter para a cidadania e os grandes problemas enfrentados pelos cidadãos.

2- Instituir um método de trabalho para os grupos de trabalho.

Parece-nos importante que cada grupo de trabalho tenha um método na elaboração das acções/actividades (ver ANEXO II ).

Entre os actuais grupos, é importante realçar o trabalho desenvolvido pelo Grupo da Mobilidade numa autêntica perspectiva de cidadania activa, consciente e efectiva de que desejamos realçar o importantíssimo trabalho com que presentearam os cidadãos do Concelho.

Relativamente ao grupo da Cultura, parece-nos importante procurar um verdadeiro centro. Um grupo de Cultura no seio de um Conselho de Cidade tem um papel importantíssimo a desempenhar junto dos nossos órgãos representativos, dada a situação em que se encontra aquilo que chamamos “cultura”. Parece-nos importante realçar que um grupo de Cultura enquadrado na ideia de cidadania participativa não deve ser um agente cultural, mas deve exigir um empenho de qualidade e diversidade por parte dos órgãos representativos. Por um lado, algumas propostas devem ser discutida, há que pugnar para uma cultura com um grau de qualidade efectivo, há que pôr em causa alguns critérios que orientam a programação da agenda cultural e há que confrontar os produtores de cultura. Por outro lado, cada acção do grupo de cultura deve lançar o debate em torno da Cultura procurando ir ao encontro dos grandes temas actuais (ANEXO III )

Quanto ao grupo do Ambiente, Urbanismo, Património e Turismo, cada uma destas áreas remetendo para uma série de assuntos complexos, parece-nos importante reestruturar este grupo para orientar o trabalho de forma mais construtiva. Parte de este grupo pode constituir um grupo de trabalho que irá organizar e promover a discussão pública do PDM[ii]. No que concerne o Ambiente, consideramos que o trabalho de investigação sobre a qualidade do ar e da água deve servir para constituir um grupo de pressão junto dos nossos órgãos representativos para defender os cidadãos, contudo o Ambiente também abrange o espaço de vida na cidade, as nossas áreas protegidas, áreas verdes, agricultura tanto no que concerne a produção da região como a questão da agricultura biológica/praça da fruta, normas e labelização[iii] de produtos. Isto está intimamente ligado ao turismo e ao PENT[iv] em que está incluída a região do Oeste com uma série de produtos turísticos (turismo de natureza, turismo de conhecimento, termalismo, praia e desportos aquáticos). Neste contexto, contando com a criação de uma escola destinada a formar profissionais do turismo, parece-nos importante estarmos atentos e vigilantes para a implementação de um turismo sustentável.

3- Criar grupos de vigilância.

A Comissão Executiva propõe a criação de grupos vigilantes para acompanhar os grandes problemas que enfrentamos no nosso Concelho em particular e em Portugal no geral. Estes grupos vigilantes terão a função de recolher, processar e divulgar informação para poder constituir grupos de pressão. Os grupos de vigilância serão constituídos em função das grandes urgências e problemas intimamente ligados ao Concelho das Caldas da Rainha. Parece-nos importante ter grupos vigilantes nas áreas que dizem principalmente respeito ao nosso espaço de vida, ao trabalho e à democracia. Estas áreas remetem para outros domínios que levantam questões essenciais no Concelho.

Relativamente ao nosso espaço de vida podemos destacar vários domínios em que é necessário actuar: discussão do PDM, qualidade da água, qualidade do ar, preservação e defesa das áreas protegidas, preservação, defesa do nosso património e espaço de vida.

No que concerne o trabalho, há que verificar o aumento da precariedade em toda a Europa, fenómeno a que Portugal não escapa, é necessário desenvolver um trabalho junto do centro de emprego, das empresas e instituições para averiguar o estado da situação laboral no Concelho para poder prevenir e procurar soluções junto dos nossos dirigentes.

No que diz respeito à saúde, devemos criar estruturas independentes dos círculos partidários que possam defender/proteger/representar o cidadão.

Quanto ao que concerne a democracia, a soberania do povo, precisamos de estar atentos posto que a nossa voz – a voz do povo – está a ser desprezada, abafada e manipulada de variadíssimas formas. Para podermos desenvolver um projecto de cidadania participativa temos que estar atentos e desenvolvermos laços de solidariedade efectivos que ultrapassem toda e qualquer divergência de opiniões para nos concentrarmos no essencial.

4- Criar um grupo de trabalho para elaborar as bases para aderir à Agenda 21 Local.

Este grupo deve procurar os instrumentos para levar os nossos órgãos representativos a aderirem à Agenda 21 Local.[v] ( ANEXO IV)

C- A Assembleia Magna

A Assembleia Magna é o órgão vital de intercomunicação. É a nossa plataforma para discutir planos e acções a desenvolver.

D- O Conselho da Cidade e as outras Associações

O Conselho da Cidade deve tecer, alimentar e desenvolver laços profundos com todas as associações do Concelho para chegar a todos os cidadãos. O CC também deve ajudar à criação de outras associações que possam vir a desempenhar um papel fundamental na vida do cidadão. (ver ponto 1-a-2)

E- O Conselho da Cidade e os representantes do Concelho das Caldas da Rainha.

As relações a estabelecer/manter com os nossos órgãos representativos terão de ser necessariamente relações de confiança, proximidade e diálogo sem abdicar de reivindicar aquilo que os cidadãos através do CC possam desejar ou exigir como sendo o mais apropriado.



[i] Todos os Anexos referidos no presente plano, tratando-se de propostas mais pormenorizadas relativas aos grupos de trabalho, serão apresentados, alterados e limados junto dos coordenadores e grupos de trabalho.

[ii] A Comissão Executiva reuniu com o Vereador Aboim e submeteu um requerimento para poder integrar a Comissão mista de acompanhamento à revisão do PDM.

[iii] Labelização: neologismo ligado ao “label” , ou aos rótulos que autentificam a proveniência e qualidade de certos produtos. Palavra utilizada na comercialização de produtos biológicos/regionais.

[iv] Plano Estratégico Nacional de Turismo

[v] A Comissão reuniu com o Presidente da Câmara de Caldas da Rainha e o Vereador Hugo Oliveira no sentido de procurar sondar a Câmara para aderir à Agenda 21 Local. Foi um primeiro passo pouco conclusivo que requer atenção, trabalho junto dos nossos órgãos representativos e persistência.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Assembleia Magna 22 de Outubro 2007

Hoje, Segunda-feira 22 de Outubro de 2007, Reunião da Assembleia Magna, à 21 horas na sede do Conselho da Cidade, Associação para a Cidadania de Caldas da Rainha, a nova Comissão Executiva apresenta o Plano de Acção.

"A tortura era muito eficaz, as pessoas falavam"

Artigo do Público, 21.10.2007, São José Almeida

A PIDE construiu a imagem de que tinha ouvidos em todo o lado, para afastar da vida cívica os cidadãos. Perseguiu selectivamente, especializando-se em prender elementos do PCP. Este é o primeiro estudo
de fundo sobre a polícia política depois da Segunda Guerra Mundial


A História da PIDE que agora chega aos escaparates, editada pelo Círculo de Leitores/Temas e Debates, é a versão reduzida e comercializável da tese de doutoramento de Irene Pimentel, elaborada sob orientação de Fernando Rosas. Quem quiser ler as exaustivas 1600 páginas da tese, em que resultaram os cinco anos de investigação, terá de se deslocar à Biblioteca Nacional. Mas os dados essenciais e os inéditos bem como as conclusões do primeiro trabalho de fundo sistemático sobre a PIDE entre 1945 e 1974 está agora acessível nas livrarias, numa obra dedicada a Fernanda da Paiva Tomás e Maria Ângela Vidal Campos, duas mulheres que foram presas pela polícia política. A própria investigadora reconhece que apesar de ser o primeiro estudo de fundo sobre a PIDE neste período - existe a tese sobre o período anterior da autoria de Maria da Conceição Ribeiro -, a sua elaboração esteve sujeita a limitações.


Irene Pimentel não usou nenhum depoimento oral para esta obra, embora ainda haja agentes da PIDE vivos, bem como as suas vítimas. A razão é que Irene Pimentel considera que os pides estão ainda numa fase de autojustificação. Usou sim todos os depoimentos que já eram públicos. E usou o arquivo da PIDE, embora advirta que o fez cotejando as suas informações com outras fontes, já que, afirma, aquele arquivo "é uma realidade truncada". Mas não foi só com o problema dos arquivos que Irene Pimentel se defrontou. Escrever esta obra colocou-lhe o problema de "tornar a vítima, vítima outra vez". E dá, como exemplo, as dúvidas que teve em voltar a contar a história, esta já conhecida, de que Cândida Ventura abortou espontaneamente depois de entrar na cadeia. Mas venceu o interesse histórico. Há, porém, um caso em que Irene Pimentel omitiu o nome. O de um filho de uma figura importante da sociedade, que, sob condição de o pai não ser preso, informava a PIDE sobre os movimentos deste.
É a primeira tese de doutoramento em Portugal sobre a PIDE, ou seja, sobre a polícia política do Estado Novo entre 1945 e 1974. É um trabalho exaustivo, de 1600 páginas, que agora o Círculo de Leitores/Temas e Debates edita, em versão reduzida para um terço, que será lançado a 30 de Outubro. A investigação de Irene Pimentel traz à luz do dia em pormenor a história da polícia política criada pelo salazarismo. Para concluir que esta estrutura de repressão mata pouco e prende pouco. Entre 1945 e 1974, prendeu cerca de 15.000 pessoas, uma média de 400 por ano, muito menos que a polícia política de Francisco Franco, o ditador que dirigiu a Espanha de 1939 a 1975. E muitos dos detidos eram-no por seis meses, após o que eram soltos sem julgamento. Estas prisões cumprem o objectivo preventivo, passar uma cultura de medo, dar a imagem de que a PIDE tem ouvidos em todo lado, sinalizar a população para que não se meta em política.
Por outro lado, a PIDE especializa-se em neutralizar, em prender os oposicionistas, em particular os do PCP. Para os manter o maior tempo possível fora da sociedade, através das medidas de segurança, capaz de prolongar penas além das sentenças dos tribunais.


Não teme a polémica à volta da sua tese? Conclui que, a partir de 1945, a PIDE não mata muito.
A PIDE a partir de 1945 é bastante diferente do que se passa anteriormente. Tem a ver com o facto de se sentirem completamente à vontade numa Europa dominada por nazismo, fascismo, etc. A partir de 45, é evidente que o regime tem de fazer uma determinada cosmética relativamente às suas polícias. Foi uma repressão mais maciça até 45. Era um período em que não se ensaiavam em matar as pessoas. Havia gente a eito nas cadeias. E havia o Tarrafal, o cume de uma estrutura para neutralizar definitivamente os presos. A partir de 45/47 as coisas modificam-se. A grande preocupação passa a ser reprimir à séria o PCP.
Não acha que, a partir de 45, as mortes por negligência médica são mortes deliberadas? Mostram que há uma outra forma de matar, se calhar mais cínica.
Acho. Mas, de facto, o regime não queria matar. Dou o exemplo de Francisco Martins Rodrigues e de Octávio Pato, que não acreditaram quando foram alvo de execução simulada com uma pistola, tipo roleta russa, porque sabiam que à PIDE não interessava a sua morte. Atenção, estou a falar na metrópole, é completamente diferente em África. Agora, aqui, eles não queriam matar. Quanto à questão cínica, que é evidente que é cínica...
Por negligência ou a tiro, um morto é um morto.
Mas repare que não há muitos mortos. E relativamente, por exemplo, às mulheres, eles tinham o cuidado de dar assistência médica - estamos sempre a falar de funcionários do PCP. Tinham cuidado que essa gente não morresse. O caso de Guilherme da Costa Carvalho, libertam-no quando está para morrer. Tem a ver com a atitude de encarar o comunista como diferente.
Como o inimigo alvo?
Como o inimigo alvo. Agora, para mim - e é o que está em toda a tese -, eles tinham a preocupação primeiro preventiva. Relativamente a quase toda a gente, tinham a preocupação de dizer: "Atenção! Olhem o que vos pode acontecer, portanto não se metam em política, porque, senão, são presos." Relativamente aos que já se meteram em política - especialmente os funcionários do PCP e depois a extrema-esquerda -, o objectivo é neutralizá-los através do tempo em que eles estão afastados da sociedade dentro da prisão, através das medidas de segurança.
Por isso é que acho que as grandes armas da PIDE são a prisão preventiva e as medidas de segurança. Por isso há muita gente que é presa preventivamente seis meses e depois é libertada e nem sequer é alvo de julgamento.
Por um lado, a PIDE tem uma grande preocupação em passar a imagem de que tem ouvidos em todo lado, mesmo quando não é real. Isso é manifesto nos dados que apresenta. Há depois uma acção muito organizada contra o PCP.
Selectiva. E mesmo, dentro do PCP, dirigida aos funcionários. O próprio PCP se apercebe que eles não prendem a base muitas vezes. Por exemplo, quando o Verdial denuncia toda a gente, a PIDE sabe perfeitamente que eles estiveram em reuniões de célula e não prende a maior parte. Não lhes interessava prender toda a gente, até porque não tinham capacidade física.
Não teme que ao apresentar a PIDE como uma polícia selectiva e não maciça ser acusada de estar a branquear o regime?
Não temo. É evidente que quando se faz história não nos interessa muito a polémica, mas sei que há polémica. Os mitos à volta do tema são extraordinariamente grandes. Também se criou depois do 25 de Abril uma imagem - uma coisa que agora gostava de trabalhar - , de que aquilo era maciço. Não era assim. Mas isso fui descobrindo: eu própria não parti dessa base inicial, também tenho os meus mitos. Evidentemente, a escolha do tema também não é por acaso. E, à medida que fui avançando, apercebi-me disso. Agora branquear? Eu acho que não há nada mais horrível do que o que está ali.
Acha que não haverá críticas?
Eu sei que vou ser criticada. Por exemplo, estive para fazer uma estatística relacionada com a tortura que depois não fiz. Mas está evidente no trabalho que as pessoas falavam. A PIDE era eficaz nesse sentido, a tortura era muito eficaz. É evidente que uma estrutura clandestina como a do PCP tinha de colocar a questão do não falar como fundamental. Agora, criou muitas vítimas. Porque havia a ideia que só fala quem quer. Não é verdade. Antes pelo contrário.
Uma conclusão que ressalta do seu livro é precisamente a de que a PIDE é responsável pela criação de critérios morais de classificação dos oposicionistas. Porque é a tortura e a forma como a PIDE age perante quem prende que estabelece o critério moral de divisão entre os que resistem e conseguem fazer o que Cunhal manda no Se Fores Preso Camarada e os outros. É a PIDE que faz a valoração moral de quem quebra e não quebra?
Exactamente. É interessante que diga isso, por que eu não digo isso mesmo, mas quero dar essa noção, deduz-se isso e é o supremo triunfo da PIDE. Há pessoas que ficam estigmatizadas para a vida, ficaram destruídas para a vida.
No PCP houve pessoas que não voltaram a ter lugares de proeminência.
Foram afastados. Eu conheço. E eles falaram, mas não traíram.
Foi a herança da PIDE?
Têm o estigma. Conheço um caso que quando morreu a família conseguiu que o Cunhal fosse ao velório, um bocado para dar o perdão final. Numa altura em que ele já não podia falar. E para ele foi horrível. Ficou marcado. Ficou sempre naquelas estruturas da paz.
Tentei que não se percebesse através da minha tese quem falou ou deixou de falar. Esse foi o grande cuidado que tive, porque eu não sou um tribunal e o que acho moralmente não interessa para aqui. Outra coisa que fica da PIDE é os informadores. Não tinha a noção, embora também tivesse sido mitificada a ideia de que havia informadores por todo o lado. Mesmo assim, acho que ainda havia mais potenciais informadores.
As pessoas ofereciam-se?
O Ministério do Interior recebia esse tipo de cartas, depois a PIDE é que dizia: esse homem não interessa nada, nem sequer tem relações com a oposição, ou é um analfabeto ou é um padre. Havia muitos padres, por exemplo, a oferecerem-se. É dessa cultura que eu acho que não se fez ainda o luto em Portugal.
Descobri determinados elementos depois da tese, que coloquei no livro, e confrontei-me com a dúvida de os colocar no livro, mas do ponto de vista da história eu tinha de divulgar. O Verdial toda a gente sabe, o Nuno Álvares Pereira toda a gente sabe, mas por exemplo, nas prisões de 61, do Octávio Pato, Pires Jorge, praticamente fica decepada a direcção do PCP em Portugal e foi através de um informador que se chamava Lázaro Carmo Viegas, que era do aparelho logístico do PCP. Era ele que transportava no seu automóvel os funcionários para as reuniões.
Do ponto de vista da moral, e fala disso logo no início do livro, acha que há diferença entre o caso português e a Alemanha?
Só se pode comparar até 1945. O caso do nazismo está à parte por causa do extermínio. Mas pode-se comparar com o fascismo italiano e com o franquismo. Embora eu ache que o franquismo foi muito mais brutal e eu não estou a branquear nada. A minha hipótese inicial foi: terá sido a PIDE a razão por que o regime durou tanto tempo? E eu chego à conclusão que foi uma das razões mas não foi a principal. O Exército é que é. Quem tem as armas, quem tem o monopólio da violência, é que dirige e não é por acaso que o regime acabou através do Exército. Agora foi uma ajuda, junto de outros instrumentos de amedrontamento, de inculcação ideológica até. E esta sociedade, que ainda hoje é um bocado assim, vem desses anos de apatia. Conseguiu-se criar uma apatia.
Conseguiu-se anestesiar a sociedade. A PIDE foi uma forma de aplicar essa anestesia?
Foi, com a história do "temos informadores em todo lado" e com a história do "vejam lá o que acontece". As pessoas sabiam o que acontecia. Vinha nos jornais as prisões. Conseguiu essa eficácia.
Faz uma média de 400 detidos políticos por ano que compara com a Espanha e a Grécia. Como chega a estes números?
Os números são meus. Fiz a análise dos cadastros de 45 a 74. Eu própria fiquei surpreendida, principalmente em relação aos julgamentos, pensava que tinha havido muito mais, até presos.
Quando faz a comparação do regime e dos números faz sempre com a Itália, com a Alemanha, com a Espanha, com a Grécia, porque é que no período de 45 a 74, ao nível do número de prisões, não compara com os regimes de Leste. Porque há a atitude intelectual de que o regime é de direita logo comparamos com a direita?
Isso é uma crítica que vou ter. Foi por uma razão de delimitação física, mas o pretexto foi serem regimes comparáveis do ponto de vista ideológico. Depois de ter feito a tese, eu sinto que há uma limitação, por ter começado em 45. Ganhava em tudo se tivesse começado antes, a partir de 1926. Mas já havia uma tese de Conceição Ribeiro.
Conclui-se do seu trabalho que havia diferença na forma como a PIDE tratava o PCP e os outros oposicionistas.
Até aos anos 60. Tentei fazer um jogo de espelhos entre o PCP e a PIDE. Por exemplo, no período do desvio de direita do PCP, a actividade do partido era para se defender da PIDE e esta sabia muito sobre o PCP. Depois, em relação às organizações de extrema-esquerda, a PIDE não teve tempo para se especializar. E os grandes especialistas da PIDE eram-no sobre o PCP e sabiam muito, era quase mimético. O Gouveia, por exemplo, pensava como as pessoas do PCP. E muitas pessoas do PCP sabiam pensar como a PIDE.
E a classe social? Da tese conclui-se que há diferença no tratamento.
Completamente. Aliás, os próprios presos dizem isso. O operário, o assalariado rural, que não tem família, que ninguém vai visitá-lo, é completamente diferente no tratamento de um intelectual ou de um médico do sector intelectual. Isso é visível na história da sexualidade na prisão. É certo que não encontrei nada sobre violações no sentido da penetração. Mas violação não é só isso. E há mulheres como a Conceição Matos e as mulheres do Couço que são vítimas de violação. E também, uma coisa que descobri mais tarde, alguns homens do Couço [aldeia bastião do PCP]. Isso entronca no tratamento social que é dado. O tratamento é completamente diferente entre os homens do Couço, por exemplo, e um intelectual do PCP. Depois havia também uma grande diferença entre, por exemplo, funcionário do PCP e uma pessoa como o Mário Soares ou o Álvaro Cunhal. Cunhal na primeira prisão ainda é muito espancado, depois não. Eles também sabem que não é por ai que ele fala.
Reconhecem então a importância, o estatuto social dos oposicionistas dirigentes?
Sim. E até revelam uma certa admiração. Por exemplo, uma vez mais o Gouveia, ele é um complexado social. Ele entende, por exemplo, os operários e os assalariados agrícolas do PCP, não entende bem os intelectuais, mas ainda admite o lado ideológico dos intelectuais, o que ele não suporta é pessoas como o Francisco Miguel, por exemplo, e o Pires Jorge, que ele considera pequeno-burgueses que querem adquirir poder através da política. Ele está a ver-se ao espelho. Mas há outro lado, há um poder que vem a determinados pides, que vêm quase todos de baixo, relativamente a pessoas que estão acima deles socialmente e que, de repente, são eles que estão numa situação de poder dentro da cadeia. Agora, não há dúvida nenhuma que, à partida, há uma enorme diferença social, depois entre mulheres e homens, dentro das mulheres entre assalariadas e outras, isso há.

(Obrigada J.Coutinho pelo envio da mensagem)